O Jornal dos Economistas do CORECON RJ traz em sua nova edição (acesse aqui na íntegra) um debate sobre o novo mundo do trabalho com diversos autores que jogam luz sobre a nova configuração do trabalho no mundo digital, com a explosão dos trabalhadores por plataformas precarizados.
Dentre ele republicamos o artigo do dirigente do sindicato dos bancários de São Paulo, membro da direção nacional da Intersindical e coordenador do OTTS Antônio Carlos Cordeiro que trata sobre os desafios para a organização sindical dos trabalhadores submetidos ao trabalho precário.
segue abaixo o texto com o título “Os desafios para a organização sindical dos trabalhadores submetidos ao trabalho precário”
O objetivo principal desse texto é analisar a ampliação da precarização do trabalho, os desafios para a organização sindical dos trabalhadores submetidos ao trabalho precário e também as medidas necessárias para impedir todas as formas de precarização do trabalho, em especial as realizadas por intermediação das plataformas digitais, da terceirização e do trabalho autônomo.
A reforma trabalhista efetivada através da lei 13.467/17 e a lei 13.429/2017, que promoveu a terceirização total e irrestrita, bem como mudanças no mundo do trabalho com tecnologias que criaram o trabalho em plataformas digitais, são os principais responsáveis pela expressiva ampliação do trabalho precário em nosso país.
As novas gerações de trabalhadores e trabalhadoras estão sendo contratadas em condições que não lhes dão acesso a direitos trabalhistas conquistados pelo movimento sindical em muitas décadas de lutas. Temos dezenas de milhões de trabalhadores na economia informal sem qualquer direito trabalhista ou com direitos trabalhistas mínimos, como é o caso dos trabalhadores terceirizados. O trabalho precário é aquele exercido em condições muito abaixo daquelas previstas na legislação trabalhista e na Constituição Federal. Podemos destacar três formas de trabalho precário bastante utilizadas em nosso país: 1) O trabalho intermediado por plataformas digitais; 2) A terceirização de mão de obra; 3) O trabalho autônomo. Essas formas de trabalho costumam ser exercidas de maneira fraudulenta, com a finalidade de evitar a garantia de direitos trabalhistas e previdenciário aos trabalhadores. Esse procedimento é utilizado para que empresas reduzam os seus custos e aumentem sua lucratividade através da precarização do trabalho. Os dados do IBGE referentes aos três primeiros meses de 2024 demonstram que quase 39 milhões de trabalhadores brasileiros estão na informalidade, ou seja, são trabalhadores sem direitos trabalhistas e com dificuldades de inclusão previdenciária. A seguir vamos verificar a situação de três setores dos trabalhadores que são submetidos ao trabalho precário: os trabalhadores por aplicativos, os trabalhadores terceirizados e os trabalhadores autônomos.
Os trabalhadores por aplicativos
Além da reforma trabalhista e da lei que permitiu todo tipo de terceirização, também tivemos mudanças no mundo do trabalho com a utilização de novas tecnologias que permitiram a ampliação da precarização do trabalho, especialmente através das plataformas digitais, que criaram trabalhadores informais para prestação de serviços em diversas áreas, sendo que as que tiveram mais visibilidade foram as atividades exercidas por motoristas e entregadores contratados por plataformas de aplicativos sem nenhum direito trabalhista ou previdenciário.
Esse tema tem sido objeto de debate especialmente após a apresentação do projeto de lei 12/2024 do governo federal, que está em tramitação no Congresso Nacional. O PL 12/2024 cria a categoria do
“trabalhador autônomo por plataforma” e nomeia essa relação de trabalho como “intermediada” pelas empresas de aplicativos.
O processo da regulamentação do trabalho por plataforma deve se orientar pela ampliação de direitos, pois não é possível aceitar que os trabalhadores não tenham proteção previdenciária, direitos trabalhistas e sociais, além do direito a representação sindical e negociação coletiva de trabalho.
No STF, o entendimento da maioria dos ministros é de que a Justiça do Trabalho tem descumprido definições do Supremo no assunto referente a vínculo empregatício de trabalhadores em aplicativos e sobre a terceirização ampla, geral e irrestrita. São citadas, por exemplo, decisões do STF sobre a validade da terceirização da atividade-fim em todas as atividades empresariais e a validade de outras formas de relação de emprego, que não a regulada pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
Diante das possíveis decisões desfavoráveis aos trabalhadores em aplicativos no STF e no Congresso Nacional, parece que a conquista de direitos vai passar prioritariamente pela capacidade de mobilização desses trabalhadores na defesa dos seus direitos e isso terá mais chances de sucesso se tiverem uma boa capacidade de organização sindical. O PL 32/2024 tem o mérito de garantir a organização sindical e negociação coletiva de trabalho aos motoristas de aplicativos, e também de garantir a inclusão previdenciária desses trabalhadores, inclusive com a contribuição previdenciária de 20% dos salários por
parte das empresas de aplicativos.
Os trabalhadores terceirizados
A lei 13.429 de 2017, que permitiu a terceirização de todas as atividades realizadas pelas empresas, fez com que os trabalhadores diretamente contratados pelas empresas fossem substituídos por trabalhadores terceirizados que são contratados por empresas interpostas. Essa situação permitiu que trabalhadores das empresas prestadoras de serviços tenham menos direitos em comparação com as empresas que contratam as prestadoras de serviços e esses trabalhadores são representados por diferentes sindicatos, ocasionando o fracionamento sindical e o rebaixamento dos direitos previstos em convenções coletivas de trabalho.
A terceirização total e irrestrita aprofundou ainda mais a fragmentação sindical e impactou a sindicalização e a unidade sindical. Os trabalhadores terceirizados são considerados uma espécie de categoria diferenciada, sendo que essa situação deveria ser superada na medida em que os sindicatos deveriam representar todos os trabalhadores de determinada empresa. Essa visão de organização sindical por categoria diferenciada acabou promovendo o fracionamento de sindicatos, sendo
comum que numa mesma empresa existam vários sindicatos representando os trabalhadores daquela empresa.
Para reverter essa situação, torna-se necessário retomar o debate sobre a construção de sindicatos por ramo econômico e a representação sindical de todos os trabalhadores do ramo, independentemente
da forma de contratação.
Os trabalhadores autônomos
A reforma trabalhista (Lei 13647/17, artigo 442-B) criou o trabalhador autônomo subordinado, que presta serviços ao empregador como um empregado, mas sem nenhum direito trabalhista ou previdenciário. Nesse caso o trabalhador autônomo não trabalha por conta própria, mas por conta alheia, submetido ao trabalho continuado, com jornada de trabalho definida pelo empregador e com trabalho subordinado, mediante salário e com direção do empregador.
Essa medida fez com que ocorresse a ampliação da criação dos falsos trabalhadores autônomos atuando como empregados sem vínculo de emprego, além da contratação de trabalhadores através de falsas cooperativas de trabalho, bem como a ampliação da contratação de microempreendedores individuais (MEI) e da “pejotização” da mão de obra, onde o trabalhador pessoa física se cadastra como pessoa jurídica e presta serviços como se fosse empresário, sem direitos trabalhistas ou previdenciário.
Sobre os microempreendedores individuais (MEI), cabe destacar as declarações do ministro Flávio Dino (STF) a respeito do enquadramento do trabalho de entregadores por aplicativos como atividades empreendedoras. O magistrado disse que a situação tem levado a uma “bomba social e fiscal”, pelo fato de esses trabalhadores não terem direitos trabalhistas que são reconhecidos há mais de 100 anos e
por deixarem de contribuir para a previdência social. “Ter uma bicicleta, colocar um isopor nas costas e sair pedalando não é empreendedorismo. São desprovidos de qualquer patamar de direitos”. A declaração foi feita durante o 9º Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, realizado em Curitiba no dia 14/06/2024.
O trabalho precário e a fraude trabalhista estão cada vez mais presentes nas atividades exercidas pelos trabalhadores autônomos, que trabalham como se fossem empregados das empresas a que prestam
serviços. Muitas empresas utilizam a fraude para não garantir direitos trabalhistas na contratação de trabalhadores autônomos, PJ (pessoa física que se inscreve como pessoa jurídica), falsas cooperativas
de trabalho e microempreendedores individuais (MEI).
Uma medida importante para garantir direitos aos trabalhadores autônomos seria a criação do Estatuto dos Trabalhadores Autônomos, com processo similar à experiência da elaboração do Estatuto do Trabalhador Rural de 1963 no governo João Goulart e da garantia dos direitos trabalhistas das empregadas domésticas na Constituição Federal de 1988, que foram ampliados no governo de Dilma Rousseff através da Lei complementar nº 150, de 1 de junho de 2015.
O Brasil tem um histórico de elaboração legislativa setorial, como citado acima, e essa experiência é importante para a proteção legal dos trabalhadores autônomos. A compreensão deve ser que trabalhadores autônomos não são empresários, mas uma parcela da classe trabalhadora que está excluída dos direitos trabalhistas e previdenciários.
Também é importante a regulamentação do trabalho autônomo, com a criação de um fundo social do trabalhador autônomo articulado com um estatuto dos trabalhadores autônomos, com previsão de
direitos sociais, trabalhistas e previdenciários.
Cabe lembrar que a organização sindical dos trabalhadores autônomos está prevista na CLT. No entanto, o número de sindicatos de trabalhadores autônomos ainda é bastante reduzido, o que demonstra que
o movimento sindical não tem políticas para incentivar a organização desses trabalhadores em sindicatos, federações e confederações.
Em relação aos trabalhadores autônomos que trabalham por conta própria, é necessário incentivar a organização sindical e associativa, além da criação de cooperativas populares, democráticas e solidarias.
A ideia de organização sindical do ramo dos trabalhadores autônomos urbanos não tem nenhum impedimento na legislação trabalhista e sindical, sendo que sua efetividade depende exclusivamente dos trabalhadores e seus sindicatos, associações ou cooperativas vinculadas à ideia de economia solidária. As centrais sindicais poderiam criar de forma unitária o ramo de atividade dos trabalhadores autônomos urbanos organizados por federações estaduais ou regionais e confederação nacional.
A organização sindical dos trabalhadores submetidos ao trabalho precário
A estrutura sindical corporativa brasileira fez com que os sindicatos representassem basicamente os empregados formais do setor privado e os servidores públicos diretamente contratados pelos órgãos estatais municipais, estaduais e federal. Também existe a figura da unicidade sindical, que garante o poder de negociação coletiva a um único sindicato por categoria profissional em base territorial de no mínimo um município, sendo que esses sindicatos normalmente são formados por empregados diretamente contratados pelas empresas, excluindo da representação desses sindicatos os trabalhadores em aplicativos, os trabalhadores terceirizados e os trabalhadores autônomos.
A organização sindical dos trabalhadores terceirizados e dos trabalhadores da economia informal deve caminhar junto com um processo de reorganização do movimento sindical, em que a defesa dos
sindicatos por ramos de atividade seja a base para esse novo modelo de organização sindical, que pode ser viabilizado por decisão dos sindicatos, sem necessariamente passar por alterações na legislação sindical, o que seria pouco provável na atual composição do Congresso Nacional, que tem mais interesse na retirada de direitos trabalhistas e no enfraquecimento dos sindicatos.
Outro problema na estrutura sindical brasileira é a existência de milhares de sindicatos de trabalhadores sem representatividade e sem capacidade de mobilização dos trabalhadores para a defesa e ampliação de direitos.
Para reverter essa situação de fragmentação sindical, é possível estabelecer um processo de regulação e critérios estabelecidos de comum acordo pelas centrais sindicais, utilizando a estrutura de federações e confederações.
É preciso encontrar a unidade dentro da pluralidade, em que várias entidades sindicais se unam em torno de uma única entidade. Podemos chamar essa situação como unidade sindical, que é diferente de unicidade sindical. Deve ser superada a ideia de organização sindical por categoria, que serve apenas para dividir a organização sindical. É necessário pensar a organização sindical no mínimo por ramo econômico, pois os sindicatos não precisam estar vinculados à ideia de categoria sindical por atividade ou profissão.
Diante dessa situação, o movimento sindical deve tomar iniciativas para representação sindical dos trabalhadores terceirizados e dos trabalhadores da economia informal, o que inclui os trabalhadores autônomos em geral, como aqueles que trabalham como microempreendedores individuais, os PJ que prestam serviços como trabalhadores pessoas jurídicas e os trabalhadores em aplicativos.
Esse debate sobre a construção intersindical por ramo de atividade econômica deve levar em consideração as dificuldades para sua implementação. Talvez seja o caso de estabelecer medidas de transição que envolvam a unidade dos sindicatos do mesmo ramo de atividade em uma espécie de federação intersindical, sem exigências de fusão ou incorporação formal de sindicatos.
A criação de sindicatos por local de moradia também pode ser uma iniciativa de caráter intersindical, em que vários sindicatos estejam presentes com espaço para desenvolverem atividades de solidariedade e organizar a luta por direitos.