Governo Lula pode elaborar “regulação híbrida” para trabalho por aplicativo

Luiz Marinho avalia que é possível marco regulatório juntando trechos da CLT e acordo entre empresas e trabalhadores

A regulamentação de atividades laborais realizadas por intermédio de aplicativos é um dos temas mais caros para o presidente Lula desde a campanha eleitoral. Não à toa, nos primeiros dias de governo, discursou no Palácio do Planalto para trabalhadores citando a modalidade como pontapé inicial do que chamou de “nova relação entre capital e trabalho”. A missão de elaborar um marco regulatório no primeiro semestre foi dada a Luiz Marinho, que voltou ao comando do Ministério do Trabalho e Emprego, onde esteve entre 2005 e 2007.

Em entrevista, Marinho detalha alguns dos pontos em debate. A dificuldade para reunir representantes de categorias pouco sindicalizadas, como a de motoristas de aplicativos, atrasou os planos. Mas um projeto de lei com o marco legal será enviado ao Congresso até setembro. “Eu creio que no mais tardar em setembro nós tenhamos condições de estar com esse ponto [finalizado]”, afirma.

O ministro sinaliza haver entendimento de que o texto regulatório pode reunir direitos garantidos na CLT com acordos negociados entre as empresas de tecnologia e as entidades representativas dos trabalhadores. Ambos debatem num grupo de negociação mediado pelo governo. Marinho evita aprofundar detalhes de como seria o modelo híbrido, mas a sinalização está em linha com o que sindicatos e empresas começam a convergir.

“Pode ter eventualmente, se for essa a vontade das partes, uma regulação híbrida. Pode ter. Nós não estamos ferrenhos para dizer ‘vai ser assim e vai ser assado’. Se fosse, eu não montava uma mesa de negociação. Fazia um projeto aqui da minha cabeça e mandava para o Congresso”, afirma.

Outro objetivo é, por ora, definir valores mínimos de remuneração e permitir acordos coletivos negociados em nível nacional e local. Isso daria mais liberdade para não engessar tudo na legislação. “É preciso ter remuneração mínima e, a partir daí, os acordos coletivos. Não precisa estar tudo regulado pela lei”, sugere. “O trabalhador tem que saber qual é a sua base de contratação, a sua remuneração. Hoje você pega um Uber e sabe o quanto está pagando, mas não sabe quanto está sendo remunerado ao motorista pela sua corrida”, diz.

Abrir espaço para concorrência é outra meta do governo. O Ministério da Fazenda participa para definir a atividade econômica na qual as empresas serão enquadradas. O entendimento é que não são apenas empresas de tecnologia, mas negócios que utilizam força de trabalho de motoristas e entregadores, por exemplo. A definição de atividade pode abrir um leque de responsabilidades hoje inexistentes e facilitar que novas firmas entrem no mercado para concorrer com gigantes como Uber, iFood e 99. “Elas são concorrentes entre si? Como é que pode ser de vários?”, questiona Marinho.

O marco normativo deve também exigir mais diálogo das empresas com os profissionais. “Se a plataforma resolver puni-lo, ele não sabe qual é a razão da punição. Tem que ter transparência, ele tem que saber. E quando ele vai entrar com uma reclamação, com recurso de uma decisão da plataforma, tem que ter gente para ele conversar e não uma máquina como é hoje”, sugere, citando exemplos de regulação na Europa.

A estrutura regulatória criada na Espanha é observada de perto. Marinho esteve no país, onde firmou um acordo bilateral para trocar informações sobre questões trabalhistas. Ele não acredita que possa acontecer aqui o que aconteceu em cidades espanholas com menos de cem mil habitantes, onde algumas empresas se retiraram ou por falta de mão de obra ou porque o negócio teria ficado economicamente inviável.

O ministro é bastante crítico a esse argumento. “Você tem o pretexto: ‘Olha, vai diminuir a quantidade de trabalho’. Será que vai? Aí você explora o trabalhador para isso [evitar desemprego]? O que eu observo nas empresas, no geniozinho que montou uma empresa global disso ou daquilo, é que quer ganhar bilhões na exploração do trabalhador lá na ponta. Então, não importa a condição em que ele está trabalhando. É preciso importar”, critica.

Há expectativa de que os próprios trabalhadores possam gerir aplicativos de cooperativas para suprir o serviço onde as empresas não queiram atuar. “Não são as grandes plataformas que vão suprir todos os nichos de demanda. Vai ter empresas de nicho que vão fazer o trabalho tão eficiente quanto as grandes plataformas. O que nós não podemos é ser chantageados e prisioneiros por uma visão neocolonialista dessas empresas, que acham que podem chegar aqui e explorar a seu bel-prazer da forma que lhes interessa.”

A acidez de termos como neocolonialismo reverbera como o governo defende pontos como a garantia de limites de horas trabalhadas e equipamentos de segurança de trabalho para homens e mulheres que cortam as grandes cidades com mochilas nas costas enquanto pedalam. Além da cobertura dos custos com a depreciação de veículos. O jogo, por enquanto, tem o governo como árbitro. Depois será a vez do Congresso mediar a disputa.

texto de Nivaldo Souza, ver original aqui

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