O salário mínimo regional é uma conquista dos trabalhadores que vigora hoje em 5 Estados do Brasil, sendo o Rio Grande do Sul, junto com Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro, um dos Estados que figuram nesta lista. O Estado possui hoje um piso regional com cinco faixas que variam de 1.237,15 até 1.567,81 reais, o que protege trabalhadores que ganham baixos salários, a exemplo dos trabalhadores terceirizados.
Por exemplo, um funcionário de escola que ganha hoje 620 reais de básico recebe do Estado um completivo de 725 reais para chegar no piso regional de 1.345 reais. No entanto, o governador Eduardo Leite (PSDB) propôs um reajuste de apenas 2,73%, enquanto as centrais sindicais reivindicam 10,3%, considerando a inflação dos anos de 2019 e 2020. Além do que, os empresários da FIERGS e Fecomércio querem acabar com o Piso Regional.
Para entender melhor esta realidade o Observatório dos Trabalhadores Terceirizados (OTTS) entrevistou Neiva Lazzarotto, Diretora Geral do 39º Núcleo do CPERS – Sindicato dos Professores em Educação do Rio Grande do Sul e Adriana Cunha, da Associação Terceirizados Unidos a respeito da luta pela manutenção do piso regional do Rio Grande do Sul, o enfrentamento ao governo Leite e a defesa dos trabalhadores terceirizados.
OTTS – O salário mínimo regional foi instituído no ano de 2001 pelo governo do Rio Grande do Sul e tem um papel muito importante no enfrentamento das desigualdades. Em que contexto se deu a instituição deste piso? Houve muita luta dos trabalhadores?
Neiva Lazzarotto – O salário mínimo regional foi uma conquista dos trabalhadores que não tinham piso salarial da categoria, nem convenção ou acordo coletivos. Os trabalhadores e trabalhadoras mais desprotegidos fizeram várias mobilizações até que se conseguiu a Lei do salário Mínimo Regional, com cinco faixas salariais que hoje variam de 1.237,15 até 1.567,81, e passou a ser referência também para setores do funcionalismo público estadual. Foi durante o governo Olívio Dutra (PT). Atualmente, o salário mínimo regional é garantido a mais de 1,5 milhão de trabalhadores gaúchos da indústria (da construção civil, vestuário, calçados, fiação, mobiliário, alimentação, química, etc.), a trabalhadores rurais, do comércio, da saúde, domésticos, motoboys, vigilantes e outros. Mas, as entidades patronais querem acabar com essa conquista, pois sua política é de “superexploração” da mão de obra.
OTTS – A gente percebe que ano após ano também o piso não tem tido os devidos reajustes, o que acarreta numa perda de poder aquisitivo do trabalhador. Existe um cálculo destas perdas acumuladas?
Neiva – O salário mínimo regional está há dois anos sem reajuste. Isto nunca havia acontecido em 20 anos da sua criação. As Centrais Sindicais, dentre as quais a Intersindical RS, apresentaram um manifesto ao governo do estado – Eduardo Leite/PSDB, ainda em janeiro de 2021, com base em estudo feito pelo DIEESE. A reivindicação leva em conta a variação do INPC em 2020 (5,45%) e o percentual de 4,50% que constava no projeto enviado pelo governador referente ao INPC de 2019, além da diferença de 3,26% entre a relação do menor piso regional e o mínimo nacional vigentes em 2001 e em 2019. De forma que a correção necessária era de 13,79%. Depois de um semestre de debates, acabamos por ter a reivindicação de 10,3%, ante os 2,73% apresentado pelo Governo Leite.
Adriana Cunha – Os terceirizados são os mais prejudicados! O salário não acompanha os reajustes dos alimentos, água, luz, moradia … com isso vemos um aumento de moradores nas ruas e famílias inteiras nas ruas.
OTTS – É notório também um inconformismo dos empresários com a existência do piso, especialmente os da FIERGS e da Fecomércio. Como tem sido as investidas deles para acabar com o piso?
Neiva – Uma prova dessa sua afirmação é que o piso salarial regional está há dois anos sem reajuste. Em 2020, chegou-se ao cúmulo de após o governo Leite encaminhar projeto de reajuste a base governista votar contra o próprio projeto do governador, atendendo à vontade do empresariado. E Leite nada fez. As entidades patronais do estado estão entre as mais bolsonaristas. A Fecomércio defendeu, abertamente, em reunião na Assembleia Legislativa, a extinção do piso salarial regional alegando a alta taxa de sindicalização dos trabalhadores gaúchos e que “o que move a economia é empresa forte e não o salário”. Essa é uma distorção brutal da realidade, pois quem gera a riqueza e, portanto, move a economia é a classe trabalhadora. Não há empresa forte sem trabalhadores. Não há vendas sem consumo. Não há consumo sem poder de compra dos trabalhadores. E, contraditoriamente, o Presidente da FIERGS celebrou o crescimento da indústria nos últimos 12 a 16 meses e expressou que o empresariado vê como “promissor” o crescimento para 2022, em artigo publicado em Zero Hora (Jornal do grupo Globo). Isto apesar de sabermos da crise econômica global.
OTTS – Já as centrais sindicais e as entidades dos trabalhadores como o CPERS lutam pela manutenção e valorização do piso. Qual a reivindicação dos trabalhadores?
Neiva – O Fórum das Centrais Sindicais, do qual participamos pela INTERSINDICAL, defende a manutenção e valorização do salário mínimo regional, como mínimo para as necessidades dos mais de 1,5 milhão de trabalhadores gaúchos. A reivindicação deste ano é de 10,3% para reposição da inflação de 2020 e 2021. No caso, temos atuação na área da Saúde, onde a companheira Lúcia Mendonça é dirigente do Sindisáude, cujo piso beneficia trabalhadores dos hospitais de todo o interior do estado e de todas as clínicas de Porto Alegre. Na área da Educação, o piso é referência para os funcionários de escola da merenda e da limpeza, que é a minha área de atuação. Eu sou Diretora Geral do 39º Núcleo do CPERS, da capital e membro Conselho Geral do CPERS – fui eu que pautei esse tema no CPERS. Também temos trabalho com Terceirizadas, sendo a Companheira Adriana Cunha dirigente da Associação de Terceirizadas. Adriana que participa desta entrevista, também.
OTTS – O piso defende a condição salarial de trabalhadores como os terceirizados que tem, via de regra, trabalhos muito precarizados. Conte-nos mais sobre a realidade destes trabalhadores no serviço público estadual?
Neiva – No serviço público estadual, o atual governo voltou a contratar trabalhadores terceirizados para as escolas, para as funções de limpeza e segurança. Nesta semana, cancelou o contrato dos vigilantes de dezenas de escolas de Porto Alegre, deixando escolas em situação de risco. Nos órgãos públicos, como o próprio Centro Administrativo do Estado e Secretaria de Educação limpeza e vigilância são terceirizadas, há alguns anos. São trabalhadores que recebem ‘O MÍNIMO” e nada mais!
Adriana pode falar sobre terceirizadas na UFRGS, onde trabalhou e começou a luta da Associação.
OTTS – Existe uma Associação de Trabalhadores terceirizados, correto? Conte-nos mais sobre ela? E como tem sido sua luta e seus principais desafios?
Adriana Cunha – No ano de 2015 iniciei um trabalho na UFRGS, onde pela primeira vez trabalharia com a limpeza. Me sentia feliz por trabalhar na universidade referência nacional e mundial. Para minha surpresa me deparei com uma *escravidão moderna * a terceirização !!! Naquele momento, já havia um descontentamento e uma pequena organização por parte de alguns funcionários. Aí, me interessei em saber o que estavam fazendo para mudar aquela situação! Foi onde começamos a nos reunir !! Foi assim que surgiu a necessidade de formar uma associação “Associação Terceirizados Unidos “. Nós lutamos por pagamentos atrasados. Chegamos a fazer uma greve. Depois, fui desligada da UFRGS e fiquei um tempo apenas como diarista. Agora em novembro, voltarei para um hospital, novamente como terceirizada. Pretendo retomar o trabalho da Associação.
OTTS – E qual os desafios em geral dos trabalhadores do Rio Grande do Sul para o próximo período? A propósito, a existência de um governo declarada e “orgulhosamente” neoliberal impõe desafios extras, correto?
Neiva – Exatamente! Além de todas as demais lutas, como acabar com o governo genocida de Bolsonaro, nós temos o desafio de derrotar o atual governo encabeçado por Eduardo Leite – PSDB, pois o mesmo conseguiu realizar, aqui, parte da Reforma Administrativa que Bolsonaro tenta aprovar no Congresso Nacional. Leite fez alterações profundas nas carreiras dos professores e servidores públicos estaduais – acabou com vários direitos históricos, taxou os inativos (aposentados), e aplica um profundo ajuste fiscal. Os trabalhadores em Educação estamos com salários congelados há sete anos e o governo Leite retirou vários direitos históricos, infelizmente, em parte facilitada pela política de “negociação” da direção do CPERS.
Adriana – Com a aprovação da PL4.302/98 que libera a terceirização para atividades fins, a rotatividade na área e alta e os salários são os mais baixos! E, com a pandemia aumentou a insegurança pelo desemprego e as pessoas se sujeitam ao trabalho explorador para conseguir colocar arroz e feijão na mesa. O desafio é pressionar o governo para melhores condições de trabalho e direitos aos trabalhadores.